sábado, 16 de abril de 2011

IVONE - Parte I

Texto que enviei para o jornalista David Coimbra da Zero Hora - está publicado em seu blog, clique aí: http://wp.clicrbs.com.br/davidcoimbra/2011/04/17/ivone/?topo=13,1,1,,,13




S

eis horas da manhã. Desperta o relógio na cabeceira do bidê. Ivone levanta-se e vai ao banheiro se lavar. O maridão, Rodolfo, vira pro lado dela na cama e estica-se todo. Ivone vai à cozinha e começa a preparar o café pra ela, pro marido e para as crianças. Ivone tem 33 anos, casada há 15 anos com Rodolfo de 39.
Ivone sempre diz que a melhor coisa que lhe aconteceu na vida foram seus dois filhos, Guilherme, 15 anos e Raquel, 12 anos. Um casal pra contentar os dois. Rodolfo sempre quis um garoto, um menino pra poder andar junto ao pai pra baixo e pra cima. Ter uns segredos com o guri, levá-lo pra pescar, jogar bola, sinuca, etc. Mas Ivone sempre pensou no coletivo, sempre pensa em todos, não só nela. Queria uma menina pra ajudá-la em casa, nos afazeres domésticos, a final de contas, Rodolfo é do tipo machão, não lava a louça porque é coisa de mulher, não coloca a roupa na máquina porque é coisa pra mulher, vai ao banheiro e não abaixa a tampa da privada porque ele é homem e, homem não abaixa a tampa da privada e por aí vai.
Durante esses 15 anos de casada, Ivone sempre fazia mesma coisa. Todos os dias levantava as 6h da manhã, fazia o café, arrumava as crianças para o colégio. Depois os afazeres domésticos. Não tinha tempo si, tudo o que fazia ou era pra casa, como compras, lava isso e aquilo, ou para o marido e para as crianças. Ivone não comprava uma roupa pra si, não comprava uma jóia, semi-jóia que fosse. Não tinha renda própria, sempre dependia do marido, se lhe desse dinheiro tinha, caso contrário não teria. E quando lhe dava era uma miséria, e o pouco que ganhava ela guardava num cofrinho pequeno que comprara em uma liquidação.
Certo dia, Ivone acordou pensando consigo mesma: - vou fugir!!! Mas o que é isso que estou pensando, isso não é coisa de mulher casada e com filhos pensar, disse em voz baixa.
Certo mesmo é que ela ficou com aquilo na cabeça o dia todo. Não sabia o que havia consigo, nunca fora assim. Antes de se deitar ascendeu uma vela pra Santo Expedito, o santo das causas impossíveis, e pediu para que lhe desse juízo.
Não conseguiu dormir a noite toda, rolou na cama de um lado para outro, ficou acordada boa parte da noite deitada na cama. Ao levantar-se mais cedo, fez o café como de praxe, e ficou sentada no sofá, sozinha, pensando. Rodolfo levantou, foi ao banheiro. Quando chegou à cozinha, viu que a mesa do café da manhã não estava posta, gritou: - Ivone, sua desgraçada, não arrumou meu café, vou me atrasar pro serviço! E um silêncio pairou no ar.
Foi procurá-la, ao chegar na sala encontrou um bilhete. Uma folha de caderno. Simples, sem nenhum mistério Ivone foi direto ao ponto:
Estou indo embora. Vou sair por uns tempos sem lugar definido. Vou indo aonde meu coração mandar. Rodolfo, sei que tu não foste um bom pai! Chegou a hora de ser. Cuide de nossos filhos. Diga à eles que tirei umas férias. Logo mandarei notícias. Beijos Ivone.
Rodolfo não sabia o que fazer, ficou em estado de choque e sentou-se no sofá e por ali passou o dia todo. Guilherme e Raquel torciam pela mãe, sabiam que o pai abusava dela. Mas também não queriam ficar sem ela.
Ao sair de casa bem cedo, sem que nenhum vizinho à visse, Ivone levou uma mala pequena preta. Tinha algumas roupas, vestidos, blusinhas, calças e o seu cofre. Durante os três últimos anos, Ivone lavou roupa para alguns vizinhos, fez costuras em calças, camisas, vestidos e chegou a fabricar algumas peças de roupas, mas não obteve sucesso. Fez tudo isso escondido do Rodolfo. Se Rodolfo ficasse sabendo iria lhe tomar o dinheiro, e ainda quem sabe, até batê-la. Ivone tinha um bom dinheiro, o suficiente para que tirasse umas férias de casa.
Pegou um táxi logo que saiu de casa. Ao entrar pediu ao motorista que a levasse ao Hotel Casa Blanca. Era um dos hotéis mais caros de Lages, uma rede de hotéis espalhados pelo mundo todo. Ivone se hospedou e pediu apenas uma pernoite. Era uma desconhecida, achava isso fantástico. Aproveitou tudo que tinha direito.
À noite foi jantar no restaurante do hotel, colocou seu melhor vestido. Um preto, justinho, definindo suas curvas, com degote modesto, uma alça fininha quase não dá pra segurar seus fartos seios redondos e um pouco à cima do joelho permitindo que olhos alheios fitassem suas coxas grossas e desenhadas. Comprara este vestido, mas nunca tinha usado. Rodolfo não gosta, diz que não é roupa de mulher casada.
Foi entrando no restaurante devagar, passadas curtas, um pé frente ao outro. Os homens ali presente fitavam-na. Uma morena gostosa, linda, magra, com vestido preto, sozinha. Eles não sabiam que ela era mãe e tinha um marido, que abandonara tudo por uma aventura, uma vida nova. Na verdade isso pouco importava pra eles. Sentou-se no canto, onde pudesse enxergar todo o restaurante. Ao seu lado, um casal. Escutava toda a conversa dos dois. Chamou o garçom, pediu uma garrafa de vinho e pra acompanhar, uma massa.
Quando ia encher a taça pela quinta vez, o garçom lhe trouxe um guardanapo, dobrado, meio amassado. Entregou e saiu rapidamente. Ao abrir o guardanapo, estava escrito: - por favor me ajude!!! Estou correndo risco de vida e você também.
Por um instante, ficou paralisada, não sabia o que fazer. Será que Rodolfo está atrás de mim. Se tiver vai me matar. Ou será que ele contratou um detetive para me seguir.
Ivone terminou sua refeição e voltou ao seu quarto, assustada. Deitou-se na cama pensando no que havia feito e decidiu voltar pra casa na manhã seguinte. Ora, uma mulher com dois filhos e um marido não se abandona. E também não se larga assim um casamento de 15 anos. Entretanto, não queria aquela vida novamente. Não queria ser escrava, empregada de Rodolfo. Não queria viver as custas de um homem, queria ter sua própria vida, ter seu próprio dinheiro, ser livre.
- Tenho que ser forte. Não vou voltar assim, só por causa de um bilhete. E se mandaram errado. Não era pra mim, tinha muita gente no restaurante. E se for pra mim, o Rodolfo acha que eu vou voltar, está enganado.
Apagou as luzes do quarto e foi dormir. Amanhã iria seguir seu caminho. 2h30mim da madruga, escuta uma batida na porta. Acorda assustada. Mais outra batida, desta vez mais forte. Levanta-se.
- Quem é?
Do outro lado da porta, uma voz feminina fala baixinho.
- Abre logo. Temos que sair daqui.
- Não vou abrir, não te conheço. Vou chamar o segurança do hotel.
- Não!!! temos que ser discretas. Abre logo, não temos tempo.
Ivone abre a porta e vê uma mulher, também assustada. Ela um pouco menor. Entra e se apresenta: - meu nome é Alessandra, temos que sair daqui.
- Não. Porque eu tenho que fugir.
- Porque você escutou toda nossa conversa no restaurante.
- Eu... só estava tomando um bom vinho. E além do mais, nem lembro o que vocês estavam falando.
- Imagino que não, mas Rick não acha isso.
- Rick é o seu marido?
- Não, meu namorado. Olha temos que sair daqui o mais rápido. Ele vai nos matar.
- Espera um pouco. O que ele está escondendo?
- Eu descobri que ele seqüestra mulheres bonitas e rouba seus órgãos para vendê-los a outros criminosos e hospitais na Europa e EUA. E era sobre isso que estávamos falando na mesa, ele acha que você ouviu tudo.
- Meu deus... ele é um monstro!!! Temos que fugir. Vou vestir alguma coisa e vamos sair daqui.

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