Por David Coimbra
Nelson Rodrigues completaria 100 anos agora, 23 de agosto.
Há quem o considere o maior cronista brasileiro de todos os tempos. Sempre digo que não existe isso de o maior ou o melhor em talento, inteligência ou beleza, porque tais valores são imensuráveis.
Mas, mesmo que sempre diga isso, gosto do exercício de fazer listas e classificações, ainda que,volta e meia, minhas listas e classificações sejam contraditórias – um dia digo que o maior pintor foi Van Gogh, noutro que foi Monet; um dia declaro que a mulher mais linda do cinema foi Grace Kelly, noutro que é Angelina Jolie.
Enfim.
Com isso quero contestar os que consideram Nelson Rodrigues o maior cronista brasileiro de todos os tempos.
Para mim, o maior cronista brasileiro de todos os tempos vive e respira, sorve tintos franceses e é meu vizinho.
Chama-se Luis Fernando Veríssimo.
Tenho dito.
O melhor de Nelson
Mesmo assim, Nelson Rodrigues foi grande. Talvez tenha sido o segundo maior cronista brasileiro de todos os tempos.
Merece louvações em seu centenário, portanto. Só que não as farei, as louvações, por ter sido ele um cronista superior, e sim por ter sido um romancista superior.
“Asfalto Selvagem”, também intitulado Engraçadinha”, é um dos cinco melhores romances brasileiros de todos os tempos. Os outros quatro? Diga você qual é a sua lista.
É bom fazer listas!
O frasista
Nelson foi melhor frasista do que cronista. Repetia suas ideias, sublinhava-as a cada chance que surgia, e assim as consagrou. Tinha uma imagem não muito edulcorada do brasileiro. Algumas de suas frases mostram bem isso. A primeira e a segunda das que relaciono abaixo são um diagnóstico de alguns dos nossos tropeços olímpicos.
‘‘ O brasileiro não está preparado
para ser o maior do mundo em coisa
nenhuma. Ser o maior do mundo em
qualquer coisa, mesmo em cuspe
à distância, implica uma grave,
pesada e sufocante responsabilidade.
‘‘ Que Brasil formidável seria o
Brasil se o brasileiro gostasse
do brasileiro.
‘‘ O brasileiro, quando não é
canalha na véspera, é canalha
no dia seguinte.
‘‘ No Brasil, o marxismo adquiriu
uma forma difusa, volatizada,
atmosférica. É-se marxista sem
estudar, sem pensar, sem ler,
sem escrever, apenas respirando.
‘‘ No Brasil, só se é intelectual,
artista, cineasta, arquiteto, ciclista ou
mata-mosquito com a aquiescência,
com o aval das esquerdas.
‘‘ Está se deteriorando a bondade
brasileira. De quinze em quinze
minutos, aumenta
o desgaste da nossa delicadeza.
O QUE LER
Quando Ruy Castro lançou a biografia de Nelson Rodrigues, "O Anjo Pornográfico", no começo dos anos 90, um amigo meu o abordoue comunicou, entusiasmado:
— Estou lendo o teu livro. É muito bom! O Ruy olhou para ele, perplexo, e perguntou:
— E conseguiu parar a leitura??? Uma imodéstia, mas com fundamento.
"O Anjo Pornográfico" é uma das melhores biografias já escritas no Brasil. Um livro alentado, mais de 400 páginas, que você lê em dois outrês dias devido, justamente, à cadência que o Ruy dá ao texto, uma cadência rodrigueana.
Por que o título?
O próprio Nelson explica na página de rosto: "Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nascimenino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico".
Leia.
Você não vai conseguir largar.
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