domingo, 13 de abril de 2014

As diferenças entre um ladrão de galinhas e um banqueiro





Na semana em que um ministro do Supremo Tribunal Federal negou recurso para encerrar o caso de um brasileiro ladrão de galinhas (já devolvidas ao dono, por sinal) seria indispensável que muitos lessem o livroOperação Banqueiro (Editora Geração), do jornalista investigativo Rubens Valente, 43 anos, ganhador de vários prêmios importantes de jornalismo. Fiz isso. O livro é pedagógico não apenas para o leitor comum, mas também para estudantes, alunos de Direito, gente que se move nos corredores da Justiça – que por vezes parece ter bem mais facilidade para enxergar o lado privilegiado da sociedade, aquele que dispõe de mecanismos diversos, muito dinheiro e relações de influência. Não é o caso do mineiro que teria cometido o crime (nem isso foi comprovado) de roubar um galo e uma galinha, avaliados em R$ 40, de um vizinho.

Repórter da Folha em Brasília, Rubens Valente conseguiu uma licença remunerada do jornal, dentro de um programa de aperfeiçoamento pessoal ou profissional, juntou cadernos de anotações de outras investigações e mergulhou em centenas de documentos oficiais e processos da Polícia Federal sobre crimes financeiros. A leitura mostra com clareza por que Daniel Dantas, o banqueiro do título, investigado e denunciado pela Operação Satiagraha, teve dois habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Mendes em apenas 48 horas. Ou por que uma investigação rigorosa, fartamente documentada, foi simplesmente anulada em um ato final do Superior Tribuna de Justiça.

“O sonho de toda pessoa condenada na Justiça por um ilícito é receber a notícia de que todas as provas contra ela, todas as interceptações telefônicas, todos os depoimentos incriminadores, enfim, todo o processo foi anulado, zerado, fulminado por uma mão divina“, escreve Valente no epílogo de seu livro. “Seria como entrar imundo num lava a jato e sair limpo do outro lado. Naquele 7 de junho de 2011, foi o que ocorreu com Daniel Dantas. As muitas horas de gravações sobre o suborno, a apreensão do dinheiro na casa de Chicaroni, os relatórios do Banco Central, os depoimentos de doleiros sobre o Opportunity Fund, as operações de mútuo entre as empresas ligadas ao Opportunity, ou seja, toda e qualquer evidência coletada durante a Satiagraha foi, pelas mãos de três ministros do STF, incinerada”.

Alguém que já tenha lido algum bom livro de histórias policiais ou assistido a um dos tantos filmes de Hollywood sobre a rede de intrigas que se move nas entranhas por onde circulam os poderosos vai concluir que Operação Banqueiro é um roteiro pronto para um excelente drama. Está tudo ali. Dá até para mudar aquela frase do final de alguns filmes: ‘qualquer semelhança com pessoas reais não é mera coincidência’.

Surge a suspeita, sem que os envolvidos levem muito a sério, em seguida começam as investigações, entra em ação uma equipe competente de policiais e peritos e, em seguida, a conclusão de que há um crime sério, envolvendo dezenas de pessoas poderosas. A polícia monta uma estrutura, investiga, consegue flagrantes (inclusive de tentativa de suborno de seus próprios agentes), encontra um juiz corajoso e intolerante com falcatruas e vai em frente até prender os responsáveis.

Quando as imagens de banqueiros, assessores e políticos conhecidos, algemados, chegam às televisões e aos jornais, a elite se escandaliza e a máquina do sistema começa a se mover, girando uma rede de intrigas, ligações com reprimendas a inquilinos de palácios, notícias falsas com a cumplicidade de veículos poderosos, denúncias de grampos que nunca foram comprovados (inclusive dos escritórios dos ministros do Supremo), de áudios de conversas entre um ministro e um senador (que também são, comprovadamente, peças de ficção), desmentidos e, principalmente, de ataque e destruição de reputações.

“Não se pode mais julgar no Brasil“, desabafou o juiz Fausto Martin De Sanctis em conversa com um pastor amigo, citado no livro. “Parece que em breve pediremos licença aos réus para condená-los“.

De Sanctis (foto) teve todos os motivos para o desabafo. Desde o início, ele mostrou coragem e disposição para enfrentar alguns poderosos, inclusive na própria Justiça, foi acusado injustamente de desafiar uma decisão do Supremo ao conceder uma segunda ordem de prisão de Dantas logo após o primeiro habeas concedido por Mendes, foi desautorizado e no fim encostado em uma vara da Previdência, bem longe de suas especificações.


“Assim, o juiz que atuou nas principais investigações de crimes financeiros e lavagem de dinheiro da história recente do país“, escreve Valente, “que determinou a prisão de dois banqueiros e de um megatraficante e que deu seguidas palestras sobre esses temas na Europa e nos Estados Unidos a partir de fevereiro de 2011 passou a decidir sobre recursos de pessoas que tiveram seu beneficio recusado pelo INSS“.

“A sociedade precisa ter um juiz que não tenha medo de julgar um político, o banqueiro mais poderoso do país“, disse Gabriel Wedy presidente da Associação dos Juízes Federais, ao defender De Sanctis. “Não se pode esconder o elefante atrás de uma cadeira“.

No fim, inverte-se todo o processo. O réu passa a acusar, no papel de vítima, e os mocinhos da história são transformados em vilões. Com este enredo, você lê as 460 páginas de Operação Banqueiro de um fôlego só – e entende por que só o ladrão de galinhas costuma ficar desamparado.

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